«Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.»Fernando Pessoa
Terça-feira, 28 de Fevereiro de 2006
«Liberdade»

Van GoghAi que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
Este poema foi escrito por Fernando Pessoa
Terça-feira, 21 de Fevereiro de 2006
«Solidariedade»
"Legenda de um Universo"
Pintura digital - Siegfried Schreck (in net)size>Após a visita e o pedido feito pelo blog Poesia Lusa e por solidariedade vou divulgar o apelo feito para ajudar o Nuno Cabruja.
"Vai com esse teu coração
Ao cantinho do Nuno para ver
Que ele tem vontade de vencer
E está tudo na nossa mão!" http://nunocabruja.blog.pt Visita!
Sábado, 18 de Fevereiro de 2006
«Tenho uma...»

Van GoghTenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como são as constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos toda a vida,
E fazem espirrar até a metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.
Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.
Excusez un peu...Que grande constipação física!
Preciso de verdade e de aspirina.
Este poema foi escrito por Fernando Pessoa
Terça-feira, 14 de Fevereiro de 2006
«Há palavras...»

(in net)Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperanças inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(...)Este poema foi escrito por Alexandre O'Neill
Sexta-feira, 10 de Fevereiro de 2006
«Habitação»

Palácio da Fronteira - Lisboa
Muito antes do chalet
Antes do prédio
Antes mesmo da antiga
Casa bela e grave
Antes de solares palácios e castelos
No princípio
A casa era sagrada-
Isto é habitada
Não só por homens e por vivos
Mas também pelos mortos e por deusesIsso depois foi saqueado
Tudo foi reordenado e dividido
Caminhamos no trilho
De elaboradas percas
Porém a poesia permanece
Como se a divisão não tivesse acontecido
Permanece mesmo muito depois de varrido
O sussurro de tílias junto à casa da infância.
Sophia de Mello B.Andresen Ilhas